"♫Cristo falou comigo no toque do berimbau ♪"
Desenvolvida no Brasil principalmente por descendentes de escravos africanos com alguma influência indígena, é caracterizada por golpes e movimentos ágeis e complexos, utilizando primariamente chutes e rasteiras, além de cabeçadas, joelhadas, cotoveladas, acrobacias em solo ou aéreas.
Uma característica que distingue a Capoeira da maioria das outras artes marciais é a sua musicalidade. Praticantes desta arte marcial brasileira aprendem não apenas a lutar e a jogar, mas também a tocar os instrumentos típicos e a cantar. Um capoeirista experiente que ignora a musicalidade é considerado incompleto.
A palavra capoeira é originária do tupi-guarani, refere-se às áreas de mata rasteira do interior do Brasil. Foi sugerido que a capoeira tenha obtido o nome a partir dos locais que cercavam as grandes propriedades rurais de base escravocrata. Capoeiristas fugitivos da escravidão e desconhecedores do ambiente ao seu redor, frequentemente usavam a vegetação rasteira para se esconderem da perseguição dos capitães-do-mato.
Outras expressões culturais, como o maculelê e o samba de roda, são muito associadas à capoeira, embora tenham origem e significados diferentes.
A história da capoeira provavelmente começa com o início da escravidão africana no Brasil. Durante o século XVI, Portugal enviava escravos para as suas colônias, provenientes primariamente da África Ocidental. O Brasil, com seu vasto território, foi o maior receptor da migração de escravos, com quase 40% de todos os escravos enviados através do Oceano Atlântico. Os seguintes povos foram os que mais frequentemente eram vendidos no Brasil: grupo sudanês, composto principalmente pelos povos Iorubá e Daomé, o grupo guineo-sudanês dos povos Malesi e Hausa e o grupo banto (incluindo os kongos, os Kimbundos e os Kasanjes) de Angola, Congo e Moçambique.
A capoeira ainda é motivo de grande controvérsia entre os estudiosos de sua história, sobretudo no que se refere ao período compreendido entre o seu surgimento e o início do século XIX, quando aparecem os primeiros registros confiáveis com descrições sobre sua prática.
No século XVI, Portugal tinha um dos maiores impérios coloniais da Europa, mas carecia de mão-de-obra para efetivamente colonizá-lo. Para suprir este déficit, os colonos portugueses, no Brasil, tentaram, no início, capturar e escravizar os povos indígenas, algo que logo se demonstrou impraticável. A solução foi o tráfico de escravos africanos [2].
A principal atividade econômica colonial do período era o cultivo da cana-de-açúcar, os colonos portugueses estabeleciam grandes fazendas chamadas engenhos, cuja mão-de-obra era primariamente escrava. O escravo, vivendo em condições humilhantes e desumanas, era forçado a trabalhar à exaustão, frequentemente sofrendo castigos e punições físicas.[2] Mesmo sendo em maior número, a falta de armas, a lei vigente, a discordância entre escravos de etnias rivais e o completo desconhecimento da terra em que se encontravam desencorajavam os escravos a rebelar-se.
Neste meio começou a nascer a capoeira. Mais do que uma técnica de combate, surgiu como uma esperança de liberdade e de sobrevivência, uma ferramenta para que o negro foragido, totalmente desequipado, pudesse sobreviver ao ambiente hostil e enfrentar a caça dos capitães-do-mato, sempre armados e montados a cavalo.
Não tardou para que grupos de escravos fugitivos começassem a estabelecer assentamentos em áreas remotas da colônia, conhecidos como quilombos. Inicialmente assentamentos simples, alguns quilombos evoluíam atraindo mais escravos fugitivos, indígenas ou até mesmo europeus que fugiam da lei ou da repressão religiosa católica, até tornarem-se verdadeiros estados multiétnicos independentes.
A vida nos quilombos oferecia liberdade e a oportunidade do resgate das culturas perdidas à causa da opressão colonial.[3] Neste tipo de comunidade formada por diversas etnias, constantemente ameaçada pelas invasões portuguesas, a capoeira passou de uma ferramenta para a sobrevivência individual a uma arte-marcial com escopo militar.
O maior dos quilombos, o Quilombo dos Palmares, resistiu por mais de cem anos aos ataques das tropas coloniais. [4] Mesmo possuindo material bélico muito aquém dos utilizados pelas tropas coloniais e geralmente combatendo em menor número, resistiram a pelo menos vinte e quatro ataques de grupos com até três mil integrantes comandados por capitães-do-mato. Foram necessários dezoito grandes ataques de tropas militares do governo colonial para derrotar os quilombolas. Soldados portugueses relataram ser necessário mais de um dragão (militar) para capturar um quilombola, porque se defendiam com estranha técnica de ginga e luta. O governador-geral da Capitania de Pernambuco declarou ser mais difícil derrotar os quilombolas do que os invasores holandeses.[3]
Com a transferência do então príncipe-regente Dom João VI e de toda a corte portuguesa para o Brasil em 1808, devido à invasão de Portugal por tropas napoleônicas, a colônia deixou de ser uma mera fonte de produtos primários e começou finalmente a se desenvolver como nação.[1] Com a subsequente abertura dos portos a todas as nações amigas [5], o monopólio português do comércio colonial efetivamente terminou. As cidades cresceram em importância e os brasileiros finalmente recebiam permissões para fabricar no Brasil produtos antes importados, como o vidro.[1]
Já existiam registros da prática da capoeira nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e Recife desde o século XVIII, mas o grande aumento do número de escravos urbanos e da própria vida social nas cidades brasileiras deu à capoeira maior facilidade de difusão e maior notoriedade. No Rio de Janeiro as aventuras dos capoeiristas eram de tal jeito [6] que o governo, através da portarias como a de 31 de outubro de 1821, estabeleceu castigos corporais severos e outras medidas de repressão à prática de capoeira.[1]
No fim do século XIX a escravidão no Brasil era basicamente impraticável por diversos motivos, entre eles o sempre crescente número das fugas dos escravos e os incessantes ataques das milícias quilombolas às propriedades escravocratas. O império brasileiro tentou amenizar os diversos problemas com medidas como a lei dos sexagenários e a lei do ventre livre, mas o Brasil invevitavelmente reconheceria o fim da escravidão em 13 de maio de 1888 com a Lei Áurea, sancionada pelo parlamento e assinada pela princesa Isabel.
Livres, os negros viram-se abandonados à própria sorte. Em sua grande maioria, não tinham onde viver, onde trabalhar e eram desprezados pela sociedade que os via como vagabundos. [7][8] O aumento da oferta de mão-de-obra européia e asiática do período diminuia ainda mais as oportunidades [9] e logo grande parte dos negros foram marginalizados e, naturalmente, com eles a capoeira.[8][10]
Foi inevitável que diversos capoeiristas começassem a utilizar suas habilidades de formas pouco convencionais. Muitos começaram a utilizar a capoeira como guardas de corpo, mercenários, assassinos de aluguel, capangas. Grupos de capoeiristas conhecidos como maltas aterrorizavam o Rio de Janeiro. Em pouco tempo, mais especificamente em 1890, a República Brasileira decretou a proibição da capoeira em todo o território nacional [11], vista a situação caótica da capital brasileira e a notável vantagem que um capoeirista levava no confronto corporal contra um policial.[10]
Devido à proibição, qualquer cidadão pego praticando capoeira era preso, torturado e muitas vezes mutilado pela polícia. A capoeira, após um breve período de liberdade, via-se mais uma vez mal-vista e perseguida. Expressões culturais como a roda de capoeira eram praticadas em locais afastados ou escondidos e geralmente os capoeiristas deixavam alguém de sentinela para avisar de uma eventual chegada da polícia.